IBRAHIM E TIÃO EM OPARA
( Uma projeção numa tela no fundo da cena vai mostrando imagens à medida da fala do NARRADOR)
NARRADOR
A guerra da Holanda com a Espanha iniciou-se em 1621 e, neste mesmo ano, a Companhia das Índias Ocidentais (West-Indische Compagnie – WIC) foi fundada.
A WIC tinha como objetivo tomar dos espanhóis e portugueses o controle dos locais produtores de açúcar, e os postos de comércios de escravos na África.
Os holandeses em 1630, atacaram e conquistaram Olinda.
Em 1648 e 1649 os holandeses foram derrotados nas duas batalhas de Guararapes, A guerra estendeu-se até 1654, quando os portugueses retomaram a região
A foz do Rio São Francisco era fronteira dominada pelos holandeses. Tal domínio, no entanto era precário, sobreviviam por seus próprios meios e organização.
Os caminhos e trilhas que cruzavam este sertão eram frequentados por aventureiros, caçadores, caixeiros viajantes, traficantes de escravos, salteadores e bandoleiros em geral, o que as tornavam muito perigosas. Por conta disso só as caravanas bem armadas as usavam.
A vila de Opara na foz do rio São Francisco prosperara comerciando com portugueses, holandeses e quilombolas havia décadas.
Era dominada por um tal de Antônio Piñales, vulgo JAPIIM, que vivia numa mansão no alto de uma pequena colina à beira da margem direita… do rio São Francisco. A vivenda era cercada por uma paliçada dupla com mais de três metros de altura com várias torres de vigia ao redor. JAPIIM tinha a seu serviço uma tropa de jagunços que defendia a cidadela. JAPIIM extorquia os habitantes, comerciantes e viajantes que chegavam à região.
Era o ano de 1654 a guerra contra os holandeses atingira o seu ápice. A vila de Opara, na foz do Rio São Francisco pouco sofrera nem durante a ocupação holandesa nem nesta transição pós-guerra.
O judeu Ibrahim, vulgo “BRAIM”, e seu escravo ‘TIÃO, sozinhos na maior parte das vezes, percorriam o sertão com mulas carregadas de mercadorias para serem vendidas nos diferentes vilarejos e fazendas desde o Recife até no Recôncavo baiano. Era um comércio lucrativo pois poucos atendiam os inúmeros povoamentos da região. Numa dessas viagens à Vila de OPARA.
PRIMEIRA CENA
A imagem de fundo é uma região com mata atlântica. Abrigados sob uma árvore na trilha para Opara, ao cair da tarde quente, BRAIM e TIÃO desencilharam as mulas, deram-lhes água e deixaram-nas a pastar a rala vegetação do entorno. Aprumavam-se para pernoitar:
BRAIM: Amanhã chegaremos a Opara. É uma Vila com muitos abastados principalmente o condestável António Piñales, o JAPIIM, suas detestáveis esposa D. MATILDE e filha D. JOANA. São meus fregueses. Bons pagadores. (Ri-se debochadamente)
TIÃO: O JAPIIM e sua família são pessoas perigosas, violentas e más. Mandam em Opara graças aos bandidos a soldo que lhes servem. Acho que não deveríamos frequentar esta praça. Ademais comenta-se que os bandidos são capangas do JAPIIM.
BRAIM: E perder estas vendas certas? Os ricos de Opara não discutem preço. São vaidosos e gostam de ostentar, principalmente os JAPIINs. E enquanto os abastecermos com estas especiarias e ornamentos estamos seguros.
TIÃO: As vendas podem ser boas, mas o perigo é grande. Que Deus nos proteja!
BRAIM (rindo-se com desdém) Vamos descansar TIÃO. Amanhã teremos um longa jornada. Deixe de ser medroso!
(TIÃO resmunga e recosta-se na esteira para dormir. Cai a noite, BRAIM abaixa a chama do candeeiro e se deita.
Chega a aurora e no lusco-fusco um BANDIDO se aproxima e os acorda aos gritos):
BANDIDO: Levantem cabras da peste se não quiserem morrer! (Braim e Tião acordam sobressaltados e se levantam) Fiquem de joelhos junto a árvore de costas para mim.
( O bandido revira os baús. Braim num rasgo de coragem transido de medo se dirige ao salteador)
BRAIM: -Senhor, se me permite a ousadia. Leve as mercadorias e as mulas, mas por misericórdia poupe nossas vidas.
( O bandido continuou revirando os baús. TIÃO choramingava junto com BRAIM, rezando e imprecando contra a má sorte, O BANDIDO estava rindo e debochando das vítimas quando se escutou um tiro e o corpo do BANDIDO tombou exatamente aos pés dos dois, Atônitos olharam em volta tentando entender o que ocorrera. E viram um homem segurando uma pistola dirigindo-se para eles)
BRAIM: (se ajoelhando defronte ao pistoleiro, junto com um boquiaberto Tião):
Ah! Senhor, por misericórdia tenha piedade de nós.
TEGRIMO, O ATIRADOR: Ponham-se de pé homens. Não lhes farei mal.
( Abaixou-se junto ao corpo do BANDIDO para certifica-se que estava realmente morto)
Vocês o enterrem longe da estrada, mas antes tirem tudo dele, queimem as roupas dele e soltem o cavalo no mato. Andem.
(Terminaram o serviço já anoitecendo e cansados sentaram-se debaixo da árvore. TEGRIMO, o pistoleiro, lhes deu água de um cantil e nacos de carne seca. Sentou-se junto aos caixeiros e lhes falou )
TEGRIMO:
Eu conheço vocês. São caixeiros que frequentam estas áreas. Não lhes vou fazer mal. Sou TEGRIMO e acho que já devem ter ouvido falar de mim. Provavelmente que sou um bandoleiro de estrada.
(Pausa enquanto andava para lá e para cá a frente dos dois andarilhos)
É verdade, mas a maior parte das histórias são falsas. Esqueçam estes boatos. Temos outros assuntos importantes a falar. Eu estava mesmo no encalço de vocês e, por sorte, os encontrei junto com o BANDIDO, Agora me contém o que farão em Opara?
BRAIM (mais calmo) Esperamos chegar à Vila e nos abrigaremos no albergue Opara-Oca. Nosso cliente principal é a família de JAPIIM. Eles são excelentes compradores e estou levando muitas novidades que tenho certeza irão adquirir. São tecidos, calçados, joias, perfumes, adereços e outras alfaias como lençóis, mantas artigos para a costura e para cozinha como louças, panelas, talheres.
TIÃO: Bebidas e remédios também
BRAIM: Tenho certeza de que venderemos tudo, lá mesmo na paliçada de JAPIIM.
TEGRIMO: Isto quer dizer que conhecem a paliçada? Têm livre acesso?
BRAIM: Sim, já estivemos lá vendendo nossas mercadorias, Aliás sempre vendemos tudo.
TIÃO: Eu também atendo como barbeiro, dos bons e muito solicitado.
BRAIM: Sapateiro e costureiro
TIÃO: Também lanceto tumores, bicho do pé, costuro ferimentos, extraio dentes e outras coisas.
BRAIM: É verdade. O Tião inclusive tem várias garrafadas para muitos males.
TEGRIMO: Você conhecem como funciona a guarda da paliçada? Tudo lá dentro?
BRAIM (depois de um lapso pensativo): Já estive lá inúmeras vezes. Acho que conheço bem o local.
TIÃO: Eu conheço toda criadagem e os locais que vivem, onde guardam os animais e os víveres. Sei onde fica a sala de armas deles.
TEGRIMO: ( mostrando satisfação): Vocês serão muito úteis. Preciso dessas informações com detalhes e ao chegarmos lá quero mais detalhes ainda. Mas, isto será um segredo entre nós. Se vazar que estamos bisbilhotando será o fim de todos nós. E nem pensem em me trair.
BRAIM E TIÃO (em uníssono) Nem pensar, nunca.
BRAIM: Lhe devemos nossa vida. Seremos eternamente gratos
TIÃO: E fiéis
BRAIM: Isso mesmo. Fiéis até à morte.
TIÃO ( com uma cara de espanto) Até a morte? Mesmo?
BRAIM ( puxando TIÃO para se ajoelhar diante de TEGRIMO) Sim, até a morte!
TEGRIMO (rindo) Então partimos amanhã bem cedo.
(Recolhidos às suas esteiras BRAIM E TIÃO lado a lado)
TIÃO (sussurrando) No que estamos nos metendo BRAIM?
BRAIM (também sussurrando) Numa baita confusão, mas não temos alternativa. Só espero vender tudo e dar o fora..
2ª CENA
No albergue “Opara-oca” . O local estava cheio e os fregueses contavam suas façanhas com detalhes. TEGRIMO encontrou alguns de seus comparsas, BRAIM e TIÃO alguns de seus fregueses.
TREGRIMO (aproximou-se de BRAIM e discretamente falou) Não vamos nos mostrar muIto próximos. A tasca está cheia de gente de JAPIIM. Nos encontraremos em outro lugar. Eu aviso.
BRAIM (falando na surdina): Boa ideia. Eu já reconheci vários jagunços da paliçada inclusive o chefe da guarda. Ele quer ver as mercadorias. Posso marcar logo uma visita à paliçada.
TEGRIMO: Muito bom. Temos ainda de juntar e preparar meu pessoal e isto pode levar algum tempo.
Afastou-se e TIÂO que tudo ouvira indagou a BRAIM;
TIÂO: Que pessoal é esse que ele está falando? ‘Tá reagrupando a quadrilha para que?
BRAIM: Não sei, mas desconfio que ele quer assaltar a paliçada.
TIÃO: Então vamos dar o fora. Podemos vender em outro lugar.
BRAIM: Se arredarmos o pé daqui nunca mais teremos paz. Vamos ficar e fazer o que ele quer. Vender tudo e esperar que possamos sair de fininho.
TIÃO: ‘Tamo ferrados. Não tem jeito de sair sem sermos percebidos depois que ele tentar roubar JAPIIM.
BRAIM: Tenha fé Tião. Acharemos um jeito de escapar.
TIÃO: Fé eu tenho e muito medo.
(TEGRIMO se aproxima de BRAIM e lhe fala em surdina.)
TEGRIMO: No fundo da estalagem tem a cocheira. Encontre-me lá daqui a pouco. Saia discretamente. Eu dou um sinal quando sair.
(Na cocheira BRAIM, TIÃO e TEGRIMO se encontram)
TEGRIMO: Entre na paliçada o mais breve possível. Observe os detalhes e me informe. Quero saber de tudo, principalmente quantos jagunços existem para defender a paliçada. Onde ficam e tudo mais.
BRAIM: Você pretende atacar a paliçada? Eu pergunto isso porque vou levar para lá as mercadorias à venda e se houver saque eu perco tudo.
TEGRIMO: Não se preocupe com isso, haja como se nada fosse acontecer. Venda tudo que puder. Você não terá prejuízo.
BRAIM: E quando será isso?
TEGRIMO: Sinceramente não sei. Quando estivermos prontos. Fique atento e bico calado.
(TEGRIMO se retira rapidamente)
TIÃO (muito nervoso) Ele já tem um plano pronto. O que será de nós?
BRAIM (Um tanto irritado) Claro que tem um plano e nós fazemos parte dele. Não vamos recuar. Faremos nosso papel e espero que seja bem-sucedido.
TIÃO: Como bem-sucedidos? Ele é um facínora e nos matará assim que não precisar mais de nós. Além de roubar todas as nossas mercadorias. Vamos fugir agora.
BRAIM: Uma coisa de cada vez, TIÃO. Controle os seus nervos. Ele não tem por que nos matar. É certo que ficará com nossas mercadorias, mas ao menos temos chances de sairmos vivos. Precisamos saber quando atacarão e ganharmos tempo. De qualquer modo vou marcar logo a ida à paliçada. Isto será fácil pois até já fui convidado pelo chefe da guarda.
TIÃO (Espantado): Então você também tem um plano! Deus nos salve.
BRAIM: Vai dar tudo certo TIÃO. Afinal quem não tem um plano?
TIÃO: Eu tenho um plano bem simples. Fugir agora memo.
(BRAIM e TIÃO voltam à hospedaria, discutindo)
BRAIM: TIÃO você é um covarde.
TIÃO: Não me importo desde que fique vivo.
3ª cena
( Dentro da paliçada no interior da casa de JAPIIM,)
TIÃO (falando baixinho quase para si mesmo) Cristo do céu! Quanto luxo.
BRAIM: É o nosso melhor freguês.
TIÃO: Só estamos há poucas horas aqui e já tenho vários fregueses .Muitos sapatos para consertar e vários dentes para arrancar.
BRIAM: Não deixe de observar tudo que o TEGRIMO pediu.
TIÃO: Eu já sei quase tudo. Só não conheço o interior desta mansão.
BRAIM: Esta parte eu cuido.
(Entram JAPIIM, D.MATILDE E D.JOANA, BRAIM e TIÃO fazem várias reverências a eles)
JAPIIM: Sejam bem-vindos nesta casa. Estamos curiosos em saber as novidades.
BRAIM: Garanto que ficarão admirados. Tudo de boa qualidade.
(BRAIM e TIÃO abrem os baús e as peças vão saindo entre as exclamações de satisfação dos fregueses)
D. JOANA: (demonstrando alegria) Vou precisar quem costure minhas roupas com estes finos tecidos.
BRAIM. Ora, D. JOANA, bem sabe que o TIÃO é um exímio alfaiate.
(A cena esmaece. Um quarto se ilumina na estalagem)
4ª CENA
(Entram num cômodo privado da estalagem TEGRIMO e um grupo de capangas com a presença de BRAIM E TIÃO))
TEGRIMO: Já tenho todos os detalhes do funcionamento da Paliçada. O Chefe da Guarda está conosco. Amanhã à noite ele abrirá o portão. As posições da defesa são essas que lhes mostrei. Seremos rápidos para neutralizá-los. Eu e um grupo invadiremos a mansão. O povo detesta JAPIIM e seus capangas, conforme apurei. Não o defenderão.
BRAIM E TIÃO (confabulando)
TIÃO: Mas será amanhã que receberemos os pagamentos?
BRAIM: Calma TIÃO. TEGRIMO me garantiu o pagamento.
TIÃO: E se não der certo esta invasão.
BRAIM: Vai dar certo, Confie.
(TEGRIMO se aproxima dos dois enquanto a turba se dispersa.)
TEGRIMO: Vocês vão para a paliçada assim que refrega terminar. Quero que juntem todos os objetos de valor da mansão e os coloquem em lugar seguro que lhes indicarei. Garanto o pagamento das suas mercadorias. Enquanto eu sondava as pessoas sobre JAPIIM me foi falado que ele tem um tesouro e eu quero descobrir onde ele está.
BRAIM: Já tinha ouvido esta história.
TIÃO: Eu também, Inclusive que este tesouro estaria escondido na Igreja sob os cuidados do Padre Fidélis.
BRAIM: Até hoje este boato nunca foi confirmado, Muitos o procuraram em vão. Mas o fato é que saqueando a região por tanto tempo não duvido que exista tal riqueza.
TEGRIMO: Sou dessa opinião. Mas onde estará? De qualquer modo vou descobrir.
(A luz esmaece e BRAIM e TIÃO estão ao pé da paliçada. Ouve-se o som de gritos e luta depois silêncio e gritos de júbilo)
BRAIM: Será que tiveram sucesso na invasão?
TIÃO: Melhor darmos o fora.
BRAIM: Ouça TIÃO é a voz de TEGRIMO
(Voz de TEGRIMO ao longe)
TEGRIMO: Vitória. Abram os portões para o povo.
BRAIM: Este é o sinal. Vamos entrar
TIÃO: Você vai na frente.
(BRAIM E TIÃO entram na mansão dominada por TEGRIMO. No salão, aos pés de TEGRIMO, amarrados e feridos JAPIIM, D. MATILDE e outros capangas, Ao redor inúmeros aldeões gritando e xingando JAPIIM e sua turma. O salão se esvazia ao comando de TEGRIMO, restando somente JAPIIM, D. MATILDE e D. JOANA).
TEGRIMO: Estes são os meus termos. Me digam onde escondem suas riquezas e os deixo ir. Caso contrário os entrego à turba, que pelo visto não estão muito satisfeitos com vocês.
JAPIIM: Não tenho nada escondido. Pode procurar o quanto quiser.
D.MATILDE: São boatos maldosos.
D.JOANA: Leve tudo que achar, mas nos liberte.
TEGRIMO: Vocês têm dois dias para falarem onde esconderam seus tesouros. Já sabem as consequências.
(Os prisioneiros são retirados do salão menos D.JOANA à qual TEGRIMO se dirige em particular.)
TEGRIMO: Você é uma bela mulher, eu vejo, ( enquanto oferece a ela uma taça de vinho) Soube que é muito ambiciosa e, pelo que dizem, não admira tanto assim seus pais. Eis o que lhe proponho. Fique comigo, seja minha concubina e quando seus pais revelarem onde esconderam as riquezas prometo compartilhá-las com você.
D.JOANA: O que me garante que você cumprirá sua palavra?
TEGRIMO: O desejo. A mais potente força que move o mundo. Toda riqueza e poder cobiçados servem unicamente para satisfazer os desejos. Por ele conquistam-se os mares, faz-se a guerra, mata-se, rouba-se, mente-se, e se constroem castelos, templos e obras grandiosas. De que me adianta as riquezas que amealho se não for para poder saciar meus desejos por uma bela mulher como você.
D.JOANA: Mas você pode saciar sua volúpia me violentando.
TEGRIMO: Sim posso, e já fiz isso em outras inúmeras vezes. Mas isto só sacia a carne e fugazmente. Você com certeza tem desejos maiores do que viver neste mísero vilarejo sendo vilipendiada por JAPIIM e D. MATILDE. Posso lhe oferecer muito mais do que estas riquezas materiais. Posso lhe dar uma vida livre.
D.JOANA: No meio desta selva em que vivemos? Longe de toda civilização? Fugindo constantemente?
TEGRIMO: Não pense que sou um bruto ignorante e que não reconheço como estamos longe do conforto e da abundância. Mas, com a fortuna que podemos dispor, por que ficar por aqui? Por que não mudarmos para uma grande cidade? Lisboa. Roma. Paris. Londres. Nunca seremos achados ou perseguidos. O que me diz? Sua garantia é o desejo de me inspira.
D.JOANA: Não sou uma mulher fácil. Ou você cumpre a palavra ou terá de me violentar, e não ficarei surpresa. Mas no momento não vejo melhor oferta. Vou arriscar.
Prometo que se for assim resgatada farei de tudo para saciá-lo.
TEGRIMO (oferecendo um brinde a D.JOANA) Que nossos desejos sejam satisfeitos.
(BRAIM e TIÃO ouviram todo este diálogo enquanto embrulhavam os objetos valiosos que TEGRIMO os encarregara de fazer. D.JOANA retirou-se)
TIÃO (na surdina para BRAIM) Mas que falsa, interesseira e traidora.
BRAIM Veja por outro ângulo. Ela está à porta da morte, perdeu tudo, desesperada.
Esta proposta é um sopro de esperança.
(TEGRIMO vê os dois e os aborda)
TEGRIMO: Se é verdade que há um tesouro, certamente D.JOANA sabe onde está. Se JAPIIM E D. MATILDE não revelarem, a JOANA, por ambição só terá a mim para recorrer. ( ri-se sarcasticamente) Preciso que vocês me ajudem a localizar o PADRE FIDÉLIS . Ele deve saber alguma coisa.
BRAIM: Me desculpe a franqueza, mas e se não houver tesouro nenhum?
TEGRIMO: Então juntaremos um com a ajuda da cidade. Tem muito ouro escondido por aí.
(Retira-se do salão soltando uma gargalhada. BRAIM e TIÃO ficam sozinhos no salão)
TIÃO: Ele está bêbado e louco. E nós estamos no meio disso.
BRAIM: Ele tem razão. D.JOANA e o Padre FIDELIS devem saber de alguma coisa, se houver realmente tal fortuna escondida.
TIÃO: Ele tem JAPIIM, D. MATILDE e D.JOANA como prisioneiros. Irá torturá-los até descobrir onde estão estas riquezas.
BRAIM: Talvez, mas não poderá ser muito duro com eles. São idosos e não resistirão à tortura. Ademais são tão sovinas que tentarão resistir ao máximo. Precisamos achar o PADRE FIDÉLIS.
TIÃO: Eu sei onde ele está. Fui arrancar uns dentes na vila e a cliente, uma senhora, muito católica, me disse que ele está aterrorizado escondido numa embarcação no porto. Certamente procurando escapar.
BRAIM:
Temos de encontrá-lo. Vou perguntar ao BASÍLIO, um marinheiro meu conhecido, se ele ouviu algo.
(Voltam à estalagem Opara-Oca e encontram BASÍLIO, o marinheiro em um local discreto)).
5ª cena
BRAIM: Preciso de uma informação importante e pago bem. (Mostra uma bolsa cheia de moedas) O que você sabe sobre o paradeiro do PADRE FIDÉLIS?
BASÍLIO (segurando a sacola com moedas) Este saco está muito leve.
BRAIM (mostrado outra bolsa semelhante) Se a informação for boa haverá mais.
BASÍLIO: Sei onde ele está, mas lhe digo que não parece nada bem.
BRAIM: Precisamos encontrá-lo com urgência antes de TEGRIMO.
BASÍLIO (Pegando a segunda bolsa) Não sei quanto tempo poderei manter o padre escondido. Estou me pondo em risco. Os capangas do tal de TEGRIMO estão aterrorizando a cidade. Ainda não foram ao porto, mas estão perto. Eu vou zarpar se o perigo aumentar e abandono o padre.
BRAIM: Não será um bom negócio. Há mais dessas moedas se salvá-lo.
BASÍLIO: Mas se eu for morto elas não me servirão para nada.
BRAIM: Eu tenho um plano, mas preciso de sua ajuda.
TIÃO: Outro plano BRAIM? Podemos simplesmente zarpar com o BASÍLIO enquanto é tempo.
BRAIM: Espere mais um tempo.. D. JOANA quer fugir e me prometeu dizer onde está o tesouro se a levarmos junto.
TIÃO: Quando ela lhe disse isso?
BRAIM: Eu explico depois.
BASÍLIO: Muito bem. Espero mais uns dias se não for atacado pelos capangas de TEGRIMO.
( BRAIM E TIÃO saem da taberna e retornam à paliçada. Já anoitecia quando entram no salão da mansão e encontram TEGRIMO e seus principais capangas reunidos)
TIÃO (no caminho à paliçada) Que história é essa que D.JOANA lhe prometeu revelar o local do suposto tesouro? Quando foi que você se tornou tão íntimo assim dela?
BRAIM: Eu inventei isso para encorajar BASÍLIO a nos esperar. Precisamos resgatar nossas mercadorias antes de embarcarMOS.
TIÃO: Não vejo como faremos isso.
BRAIM: Já juntamos tudo numa sala, como mandou TEGRIMO. Só temos de achar uma oportunidade de transferir os baús para a chalupa de BASÍLIO.
TIÃO: Faremos isso flutuando a carga no ar até o barco enquanto ficamos invisíveis.
BRAIM: Acharemos um jeito.
TIÃO: Espero que você não tenha um plano.
(O salão estava fervilhando com os homens de TEGRIMO).
UM QUADRILHEIRO
Estamos em grande desvantagem, devemos fugir e levar o que saqueamos.
MUITAS VOZES NUM BURBURINHO.
TEGRIMO (calando os companheiros)
Vamos recuar levando o que pudermos dos saques e nos reagruparemos na floresta. Então os fustigaremos seguidamente. Coletem tudo que puderem, Nos retiramos e incendiamos a paliçada e a casa.
(Gritos de júbilo dos presentes. TEGRIMO vê BRAIM e TIÃO e os chama. )
TEGRIMO: Vocês coloquem tudo numa carroça e nos sigam.
TIÃO: O que diabo está acontecendo?
TEGRIMO: Uma coluna militar fortemente armada vinda do Recife se aproxima de Opara, comandada pelo execrável TUPIUNA, feroz , cruel e ambicioso. Eles têm dez vezes mais homens do que nós. Mais armas e são treinados em batalha. Se os enfrentarmos de peito aberto seremos derrotados e perdemos tudo. Vamos recuar.
BRAIM (dirigindo-se para TIÃO em particular) Viu? Este é o plano.
TIÃO: Que plano que nada, é o fim da estrada.
BRAIM: Vamos fazer o que TEGRIMO mandou e na hora de partirmos tomamos o rumo do porto. Vá na frente e avise o BASÍLIO para preparar a chalupa. Se for o caso lhe dê outro pagamento.
(BRAIM com alguns ajudantes carregaram a carroça. Já se ouvia o vozerio dos invasores e a azáfama dos fugitivos. BRAIM subiu na carroça e rumou para o porto. Lá encontrou TIÃO E BASÍLIO)
BRAIM: Vamos descarregar logo a carroça. TUPIUNA e suas tropas estão próximos
TIÃO: Tive de aumentar a propina do BASÍLIO. O PADRE FIDÉLIS está lá dentro. O homem está muito mal não sei se resiste à jornada.
BRAIM: Tem de resistir. Só ele talvez saiba se existe e onde está este misterioso tesouro. De qualquer forma recuperamos nossos bens e mais alguma coisa. (gritando) BASÍLIO, vamos zarpar imediatamente!
(Era final de tarde e à medida que se afastavam do porto podiam ver a confusão na cidade. As tropas de TUPIUNA invadem Opara de forma brutal, BRAIM junto com TIÃO, BASÍLIO e o PADRE FIDÉLIS, embarcados na chalupa vão em direção ao mar. No entardecer vêm a cidade em chamas. BRAIM desceu até à cabine
da chalupa para encontrar com PADRE FIDÉLIS)
BRAIM: Salve, PADRE FIDÉLIS, já navegamos afastados da cidade. Creio que estamos à salvo. Vamos para o Recife. Serão no mínimo três dias de viagem, se o tempo ajudar e tudo der certo. Infelizmente não pudemos resgatar o JAPIIM, nem a D.MATILDE que provavelmente foram mortos e a D.JOANA que foi sequestrada por TEGRIMO. O terrível TUPIUNA saqueia a cidade e mata seus cidadãos, a paliçada foi destruída e incendiada. Espero poder atendê-lo no que possa durante esta navegação.
PADRE FIDÉLIS: Obrigado, meu filho, por me salvar das mãos destes terríveis malfeitores. Vou orar pela alma do JAPIIM, D.MATILDE e pela D. JOANA.
( Põe-se a orar. Com um terço às mãos. TIÃO adentra a cabine trazendo comida. E água.)
TIÃO: Padre o senhor precisa comer. Me disseram que não tem se alimentado há dias. Esta viagem é longa e cansativa e espero que tenhamos bom tempo. Mas logo estaremos no Recife.
PADRE FIDÉLIS: ( encara TIÃO E BRAIM): Não vamos para Recife, mas para Salvador.
(BRAIM e TIÃO olham com espanto para o padre)
BRAIM: Por que para Salvador?
PADRE FIDÉLIS: Porque é lá que está o espólio de JAPIIM do qual sou curador e somente eu posso resgatá-lo.
BRAIM: Padre, me explique com toda calma esta história.
PADRE FIDÉLIS: JAPIIM amealhou durante sua vida, por meios certos ou tortos, uma enorme fortuna. Há algum tempo me pediu que a levasse para Salvador e a pusesse à salvo. Sempre fazia doações à nossa igreja e por isso aquiesci. Levei tudo para Salvador e depositei na Igreja da Sé sob a guarda do PRIOR e firmei um documento previamente assinado por JAPIIM, D.MATIIDE e D.JOANA, no qual somente eu ou um deles poderia resgatar o tesouro. A Sé ficaria então com um décimo do valor. Portanto, preciso me apresentar ao PRIOR e assinar na frente dele o documento de resgate. Mudem o rumo da embarcação.
(BRAIM saiu da cabine e juntou-se a BASÍLIO ao leme)
BRAIM: Mude o rumo para Salvador.
BASÍLIO: Por que faria isso?
BRAIM: Porque você quer ficar rico.
BASÍLIO: Não sei do que se trata, mas confio nos seus palpites. Vamos para Salvador. É quase a mesma distância do Recife, levaremos, se Deus quiser, o mesmo tempo.
(Na tela ao fundo o sol se põe e se levanta várias vezes)
TIÃO: Já são três dias de viagem tranquila. o PADRE FIDÉLIS está resistindo.
BASÍLIO: Já avistamos Salvador
BRAIM: (No cais de Salvador) Vamos ficar numa convento cujo Pároco é amigo do PADRE FIDÉLIS.
TIÃO: E os nossos pertences?
BRAIM: Irão conosco. Temos de nos organizar para ir até a Sé de Salvador e resgatar a riqueza. O PADRE FIDÉLIS tem de se apresentar.
TIÃO: Mas ele mal se aguenta em pé.
BRAIM: Por isso temos de fazê-lo logo. Você arranja umas boas garrafadas para manter o PADRE FIDÉLIS vivo pelo menos por uns dias.
( No convento eles são recebidos com surpresa e consternação pelo estado de saúde do PADRE.)
PÁROCO: PADRE FIDÉLIS é nosso grande benfeitor. Vocês são muito bem-vindos à Paróquia.
BRAIM: O PADRE FIDÉLIS, devido a seu estado de saúde me constituiu como seu tutor e tendo ele alguns assuntos comerciais, preciso arranjar um encontro dele com o PRIOR da Igreja da Sé, para atender aos interesses do Padre, que obviamente não esquecerá a sua boa-vontade.
PAROCO: Posso arranjar isso. O PRIOR conhece o Padre FIDÉLIS, mas, ele está em condições para comparecer a este encontro?
BRAIM: Com certeza, o Padre FIDÉLIS estará tinindo no encontro.
PÁROCO: Amém
BRAIM: Amém.
(Sol vai, sol vem. BRAIM e TIÃO confabulam.)
BRAIM: Guardaremos o tesouro aqui no Convento de Freiras seja lá o tamanho dele. Elas, as freiras, também nos ajudarão a cuidar do PADRE FIDÉLIS. Claro que será preciso fazer uma boa doação.
TIÃO: O PRIOR ainda não respondeu. O PADRE FIDÉLIS está bem, tanto quanto possa, mas não aguentará muito.
BRAIM: Vou cobrar do PÁRACO
(No pátio do convento BRAIM e o PÁROCO conversam ).
PÁROCO: Este é o local adequado para a convalescência do PADRE FIDÉLIS. Também agradeço a generosa doação que fez ao convento.
BRAIM: PADRE FIDÉLIS é muito grato aos senhores.
PÁROCO: O PRIOR respondeu e marcou para daqui a dois dias a entrevista. Ele está querendo muito encontrar o PADRE FIDÉLIS.
(O sol se põe, sol se levanta. o PADRE FIDELIS, BRAIM e TIÃO se preparam para o encontro.)
BRAIM: As irmãs o banharam, cotaram-lhe os cabelos e a barba, perfumaram-no e o vestiram com uma batina nova. Como se sente?
PADRE FIDÉLIS: Vamos logo com isso enquanto eu aguento.
(Na boleia de uma carroça BRAIM e PADRE FIDÉLIS conversam)
BRAIM: Qual a sua relação com o PRIOR. Ele será receptivo?
PADRE FIDÉLIS: O PRIOR me odeia, mas teme JAPIIM e gosta da riqueza dele. Não podemos dizer que JAPIIM e sua família estão mortos. Invente uma história. Ele só precisa me reconhecer e assinar a liberação .
BRAIM: Chegamos.
( No salão da sacristia da Igreja o PRIOR os esperava)
PRIOR: Então PADRE FIDÉLIS, o que o traz aqui. Mais uma missão de JAPIIM e sua infame família?
BRAIM: Perdoe-me excelência. mas como pode ver o Padre FIDÉLIS está com a saúde bastante abalada. Por conta disso o senhor JAPIIM me determinou que o escoltasse até Salvador para que ele decida como administrar os bens que estão sob sua guarda segundo o contrato vigente.
PRIOR: O que quer JAPIIM?
BRAIM: Ele determinou que o Padre FIDÉLIS resgatasse os bens sob guarda da Sé. Naturalmente honrando a cláusula do dízimo.
PRIOR: O que me diz PADRE FIDÉLIS.?
PADRE FIDÉLIS: Estou aqui para assinar o documento de liberação a pedido de JAPIIM.
PRIOR: Que seja. Isto me dará muita satisfação por livrar-me desta obrigação
PADRE FIDÉLIS: E o deixará mais rico.
PRIOR: Uma justa reparação.
(Põe um documento à frente do PADRE FIDÉLIS que imediatamente o assina).
PRIOR (quase gritando) PADRE ASSISTENTE! Verifique nos porões os bens de JAPIIM, separe-os e os dê a estes dois.
(BRAIM e PADRE FIDÉLIS retornam ao convento com seis mulas alugadas por BRAIM e carregadas com doze baús. No pátio do convento os dois conversam).
TIÃO: O que faremos ?
BRAIM: Por enquanto a guardamos e continuamos a tratar do PADRE FIDÉLIS e a subornar as freiras
(SOL NASCE E SE PÕE. (No pátio do convento Braim e Tião conversam)
BRAIM: O PADRE FIDÉLIS finalmente morreu .
TIÃO: E agora o que faremos com toda essa fortuna?
BRAIM: Japiim e sua família estão, quase certamente, mortos e não há nenhuma instrução sobre o espólio. Portanto presumo que somos os donos. Tem uma nau que parte de Salvador para Lisboa mês que vem. Dá tempo de sobra para nos organizarmos.
6ª CENA FINAL
(No telão ao fundo da cena aparece o filme de um galeão ao mar, uma Igreja no campo.
NARRADOR:
TREZENTOS E CINQUENTA ANOS DEPOIS, NA PARÓQUIA DE N.S. DE OPARA, NA VILA DE AVELISSA EM PORTUGAL FOI ENCONTRADO UM LIVRO ANTIGO COM OS RELATOS DE IBRAHIM E SEBASTIÃO, PATRONOS E CONSTRUTORES DA IGREJA. NO PARÁGRAFO FINAL ESTAVA ESCRITO:
“A LUTA ENTRE TEGRIMO E TUPIUNA DEIXOU UM RASTRO DE DESTRUIÇÃO EM OPARA DE TAL MONTA QUE A VILA SIMPLESMENTE FOI ABANDONADA E NUNCA MAIS SE RECUPEROU. O PARADEIRO DE TODOS ELES NUNCA FOI SABIDO.”