A MORTE DE PIERRE FERRETI

Luiz F M Lima

 Em 1872 Pierre Ferreti, revolucionário anarquista da Comuna de Paris, quando fugia, foi preso e condenado à morte.

Dias depois do julgamento Pierre foi levado para o castelo prisão de Chaumieux  a fim de ser fuzilado.

Os partidários de Pierre imediatamente elaboraram um plano para resgatá-lo. O castelo prisão era longe da cidade e contava com uma guarnição pequena de 40 homens, comandados por Vincent Poid-Lourd, um capitão carabineiro conhecido por sua predileção pelo vinho. Os conspiradores fizeram chegar ao quartel, nas vésperas da execução, uma quantidade não desprezível do melhor vinho da região, acompanhados por algumas belas camponesas e farta comida. O efeito não poderia ser melhor, ao amanhecer, quando a sentença deveria ser cumprida, toda guarnição estava embriagada. Havia, no entanto, um pequeno problema. O castelo prisão era praticamente inexpugnável devido aos seus altos muros e as camponesas que entretiveram os soldados, todas militantes revolucionárias, por mais que procurassem não acharam as chaves do enorme portão do Castelo. Os partidários de Pierre puseram-se a escalar a fortificação. Neste ínterim, o Capitão Poid-Lourd, inteiramente embriagado mas ainda tendo um lampejo de memória, deu-se conta que precisava matar o prisioneiro. Conseguiu, à duras penas arrebanhar oito soldados que, ao menos, ainda se sustentavam em pé.

Levaram algum tempo arrombando a porta da cela de Pierre, pois o carcereiro desaparecera com as chaves. Resistindo o quanto podia, e estimulado pelas moças, Pierre, a custo de pancadas, foi contido pelos soldados e arrastado até o pátio do castelo. Apenas quatro carabineiros formavam o pelotão de fuzilamento pois os outros foram encarregados de vigiar as mulheres. Amarrado e distante alguns metros dos seus algozes, Pierre observou-os armarem seus fuzis e, antes que qualquer ordem fosse dada, as armas dispararam. Um dos soldados caiu mortalmente ferido. Outro  tiro atingiu Pierre, ferindo-o gravemente e rompendo a corda que o continha. Nervoso, mas sem perceber o que ocorrera com o prisioneiro, Poid-Lourd recompôs o pelotão chamando dois dos que guardavam as senhoras. A mente do capitão, tão obnubilada estava  que, ao voltar-se para o condenado, não viu que este jazia ao solo, esvaindo-se em sangue, e julgou que fugira, assim, gritou para que disparassem à vontade. Seguiu-se um tiroteio rápido que matou o próprio capitão, mais dois soldados, uma das prisioneiras e feriu ainda mais o próprio Pierre.

Os amigos do revolucionário estavam tendo muitas dificuldades para escalar os muros do castelo e, ao ouvirem as seguidas salvas de tiros, em desespero, jogaram suas armas para dentro do castelo na esperança que pudessem de algum modo auxiliar o comparsa. Raciocínio acertado pois uma das pistolas caiu exatamente aos pés de Pierre que, entre dores intensas e profusa hemorragia, com a pouca vitalidade que lhe restava apanhou a arma e gritou o quanto pode para os remanescentes da carnificina:

– Alto! Cães monarquistas.

O efeito foi imediato. Os guardas voltaram-se para Pierre e perfilaram-se. Neste momento um dos partidários de Pierre conseguiu vencer o muro do castelo desequilibrou-se e caiu de uma considerável altura aos pés do amigo, jazendo imóvel para o espanto de todos. Os soldados continuavam perfilados.

Conta, uma das sobreviventes do episódio, o que se seguiu:

– Pierre, cambaleante, passou em revista os soldados dizendo-lhes que eles eram servidores do povo e portanto aquela conduta, de tomar uma bebedeira às vésperas de uma importante missão, era irresponsável e incompatível com o espírito revolucionário. Falou com muita energia e em seguida, trôpego, à frente do pelotão ordenou que aprontassem a arma e gritou: “Viva a anarquia! Fogo!” Corri para acudi-lo e ainda pude ouvir suas últimas palavras:  “Não dá prá confiar nesta gente. São uns incompetentes. Temos de fazer tudo, até o trabalho deles”.

Claro está que nas versões posteriores muita coisa foi omitida mas Ferreti até hoje é lembrado pela sua fidelidade à causa revolucionária e seu destemor.

Ninguém menciona que pudesse ter sido diferente…