Dr. Wander sobe a cordilheira
DR. WANDER SOBE A CORDILHEIRA
Dr. Wander recebeu o memorando direto do gabinete do Dr. Graça determinando que se juntasse à equipe que viajaria para La Paz. Não ficou surpreso com a inusitada ordem mesmo sabendo que a sua presença naquele grupo fosse totalmente desnecessária dado que o assunto era inteiramente estranho à sua profissão. Depois de alguns anos na repartição deixou de buscar a lógica nas decisões do rotundo Dr. Graça. “Já que fui mandado, eu vou” pensou. Assim viu-se dias depois instalado num hotel em La Paz. Nas conversas preliminares com seus pares ficou claro que a presença dele era bem-vinda, mas totalmente inútil para os trabalhos, o que o levou a pensar num plano alternativo. “Vou fazer turismo” decidiu.
No atendimento aos hóspedes fora informado que no hotel havia uma agência de turismo. Foi assim que Dr. Wander conheceu a Señorita Pilar Campos, a dona da agência. O que seria uma simples consulta de roteiros turísticos se transformou num colóquio que varou o expediente e se estendeu pela noite num jantar romântico e terminou no quarto do Dr. Wander. A D. Pilar era uma morena beirando os quarenta anos de idade, bonita, com curvas sinuosas, um sorriso encantador e que se considerou totalmente apaixonada pelo Wander após o tórrido congresso carnal que tiveram. Wander, por sua vez, sentiu-se numa névoa de prazer e igualmente considerou-se totalmente apaixonado por Pilar. Fizeram ardentes juras de amor antes de resolverem ter uma “lua de mel” à altura de seus sentimentos. Pilar organizou o roteiro:
– Mi amigo Freddy tiene una finca en el lago Titicaca a unos kilómetros de La Paz, conozco al capataz y podemos nos quedar allá por unos días. Es un logar mui hermoso y romántico!
A “Finca del lago”, ficava no vilarejo de Puerto Perez a 60 Km de La Paz! Nada podería ser melhor para os dois. Uma casa ampla, confortável, bem abastecida de provisões e bebidas à beira do Titicaca com uma deslumbrante vista da Cordilheira dos Andes. O caseiro e serviçais os atenderam soberbamente. A primeira noite naquele local mágico foi de puro encantamento. Tão animados estavam que se fotografaram numa câmera Polaroid em diferentes cenas, algumas bem eróticas no leito nupcial que partilhavam. Assim decorreu o segundo dia, mas na tarde do terceiro dia aconteceu algo diferente.
O capataz, Rumi, abordou-os e extremamente nervoso lhes comunicou:
– Usteds tienem que irse ahora mismo. El Dr. Freddy ya envió un auto para conducirlos.
A notícia deixou-os espantados e curiosos com o porquê de tão inesperada e extrema atitude:
– Pero me acuerde con Freddy y el me aseguró que nosotros podríamos quedarmonos la semana entera.
– No sé en qué estuviste de acuerdo, pero él me ordenó que salieran de aca lo mas rapido posible.
– ¿Puedes decirme por qué?
– La policía lo persigue y si los encuentran aquí los arrestarán. Lo más, solo el Dr. Freddy puede decirte. Vamos rápido, no tenemos mucho tiempo, el coche ya espera.
Rumi, na correria explicou-lhes que o motorista era um auxiliar do Dr. Freddy que os levaria a um lugar seguro e que tais fatos estavam ligados à atividade do Dr. Freddy às quais Rumi se furtou a explicar.
Já na estrada indo para algum lugar desconhecido o casal conversava com visível tensão sobre o ocorrido.
Wander falou:
– Acho que seu amigo está envolvido em alguma complicação criminosa.
– Si, eso parece
Pensaram em várias hipóteses e finalmente resolveram perguntar ao motorista, auxiliar do Dr. Freddy, ao qual Wander reservadamente já chamava de capanga. O capanga Pablo falava perfeitamente o português conforme declarou que fora criado em Corumbá. Sem rodeios esclareceu;
– O Dr. Freddy é um grande capitalista. Um dos maiores. Muito rico, influente e respeitado, mas ‘cês sabem né, a política. O atual governo para ficar bem com os gringos americanos autorizou-os a operarem no país. Então eles trabalham junto à polícia boliviana e invadem algumas propriedades de seus inimigos políticos. Alegam combate às drogas. Imagina! Tudo encenação. Acontece que o Dr. Freddy não apoia este governo e tem sido alvo destas mentiras. Por isso não se perdoaria se não os protegesse, principalmente a Srta. Pilar, a quem ele muito preza.
O casal ficou sabendo então que o plano era devolvê-los ao Brasil pelas cidades fronteiriças Guayaramerim – Guajará-mirim separadas pelo rio Mamoré. Era um longo caminho de mais de 1.500 Km atravessando a cordilheira, como explicou Pablo:
– É um caminho difícil, mas seguro. A polícia não nos seguirá. Levaremos alguns dias até lá. O Dr Freddy me disse para resolver qualquer dificuldade no trajeto, tudo por conta dele.
Wander ponderou:
– Como a Pilar entrará no Brasil?
– Siempre llevo mi pasaporte. Tengo una tienda para turistas, ¿no lo sabes?
Pablo acrescentou:
– Em Guajará-Mirim ninguém se importa com estes documentos. O que separa as duas cidades são algumas centenas de metros do rio Mamoré. Os barcos vão e vêm toda hora.
– Mas e se quisermos voar para outra cidade?
– Tira-se o visto no aeroporto. Eu já fiz isso dezenas de vezes.
– Bem, então vamos em frente. Esta lua-de-mel já começou intensa.
– Usted no tiene de juntar-se a sus compañeros de trabajo?
– Ah! Eu posso nunca mais aparecer que eles não notarão. Só vim com eles por determinação do meu chefe, e nem eu nem eles sabemos por quê.
Pablo ainda disse:
– Só para lembrar, não podemos fazer nenhum contato por telefone ou correio até chegarmos ao destino. Não nos alojaremos em hotéis, mas em casas de pessoas que nos abrigarão, nem ficaremos nos centros das cidades, mas na periferia. Eu periodicamente saberei como vão as coisas e lhes aviso.
As regras foram estabelecidas e nada havia a ser feito. Pelos cálculos de Pablo e Pilar seriam 1600 Km de estradas muitas vezes precárias durante no mínimo três dias com pernoites em estalagens muito simples e alimentação de ocasião no caminho.
Pablo adiantou:
– Iremos até Apolo, uns 200 Km daqui e como a estrada não é boa levaremos de quatro a cinco horas. Ficaremos nos arredores da cidade. Teremos notícias.
O local onde pararam era um sítio bem modesto a uns dez quilômetros da cidade de Apolo, que por si só já era modestíssima. Pablo deixou-os aos cuidados do caseiro que praticamente só falava quéchua, mas desdobrava-se para agradar os hóspedes. Um quarto também modestíssimo lhes foi oferecido. A casa – choupana no entender de Wander – não tinha banheiro interno e sim a indefectível “casinha” do lado de fora. Por sorte tinha água corrente, mas não aquecimento. As pobres roupas de cama eram por certo insuficientes para aquecê-los na noite fria dos Andes.
– Teremos de dormir bem agarrados. – Comentou com Pilar, que sorriu um tanto desconsolada. Assim o fizeram entre abraços, beijos e declarações de amor. As circunstâncias, o clima e o ambiente deram uma áurea exótica e sensual àquela lua-de-mel
Pela manhã no desayuno frugal Pilar falou:
– Estoy muy preocupada con todo esso. Non tenemos cualquier control de las cosas. Si fuéremos presos de que nos van acusar? Non hicimos nada ilegal todavia estamos huyendo como dos criminales.
-. O quanto você conhece de verdade sobre seu amigo?
– Si, bastante, incluso hubo um cierto romance entre nosostros pero yá és pasado, Todavia siempre mantivemos la amistad e por muchas vezes pudo usar esta finca com mis amigos e família.
– Esta história de perseguição política até faz sentido, mas talvez haja algo além do que nos conta o Pablo. O que você realmente sabe?
– No lo se por cierto, pero ahora me ocurre que hubieram rumores que sus negócios nem siempre eram legales.
– Neste caso devemos tomar cuidado porque se realmente seu amigo tem negócios ilegais podemos ser arrolados como cúmplices o que daria um enorme trabalho de desfazer o equívoco ainda mais se houver entremeada alguma condição política.
– Tiene razón. Non deseo todavia, mi cariño, que tu te enojes de mi por cuenta de esso.
– Meu amor. Jamais me passou pela cabeça responsabilizá-la por essa situação. Sairemos desta com certeza, apenas precisamos manter a calma. Vamos saber mais com o Pablo assim que ele voltar.
Pablo fora à cidade de Apolo logo no nascer do sol, onde contatara o Dr. Freddy via rádio pois não confiava nos telefones, ademais deste serviço ser péssimo ali. Obteve as últimas notícias e instruções e imediatamente retornou aonde deixara seus passageiros.
Saudou-os e revelou:
– A polícia encontrou fotos de vocês na finca. Estão tentando identificá-los.
– As fotos da polaroide. – Exclamou Wander – as esquecemos na gaveta do criado mudo!
– Esso és terrible. Ahora se nos identificam que pude ocurrir?
Pablo acrescentou:
– Não somente têm as fotos como as entregaram a um jornal que as publicou. Puseram um jornalista junto à polícia para acompanhá-los no encalço de vocês.
Pilar e Wander demonstravam um espanto quase de pânico que não passou desapercebido de Pablo:
– Não se desesperem com isso. Eles não sabem onde estamos e aqui no interior os jornais são escassos, além de que pelo que me disseram as fotos não estão nítidas. Menos mal. Vamos manter o roteiro e o Dr. Freddy está providenciando que sejamos fortemente monitorados no caminho e informados passo a passo.
– Isto não parece nada bom. Qual é este roteiro e quais as nossas chances?
– Tengo de avisar a mis empleados que mantengan el trabajo normalmente y digan que yo estoy em vacaciones, caso la policía se presente allá.
– A bem da verdade o Dr. Freddy se antecipou e enviou um funcionário seu para ajudar na agência. Um cara competente e experiente.
– E quanto a mim? O Dr. Freddy também achou uma solução?
– No seu caso dificilmente eles o identificarão e seus colegas estão sendo acompanhados discretamente. Não creio que sejam abordados. Quanto ao roteiro, bem, nosso destino é Guajará-mirim. Sairemos logo para nossa próxima parada. Por enquanto aproveitem a viagem pela cordilheira. Preparei um farnel para não termos de parar nos locais. Infelizmente só teremos a natureza como banheiro.
– Já que é inevitável aproveitemos o que há de melhor – completou Wander.
– Que Dios nos proteja. – Exclamo Pilar.
A sós com Wander antes de partirem Pilar demonstrou profunda preocupação. Temia não apenas pela sua vida, mas por seu futuro.
– Si for identificada non podre mais morar en Bolivia porque seré condenada e quizas me pongam em el cárcere. Non era esse el futuro que planeaba para mi. Ahora estoy sin saber para onde voy e perseguida como una bandolera. Ademas de estar apasionada por uno desconocido. Me perdona caro pero non puedo exigir te nada. Todo es mi culpa e entiendo si por acaso me quitares.
Aos soluços abraçou-se a Wander e fez um compungido apelo:
– Por Dios, non me abandones.
Wander não respondeu. Envolveu-a num abraço, beijou-a e deixou-a em seus braços até que cessasse de chorar. Quando ela se acalmou, minutos depois, ele falou:
– Nunca irei abandoná-la seja lá o que acontecer. Enfrentaremos isso tudo juntos e ficaremos juntos depois que tudo passar.
– Oh! Mi amor, te quiero tanto.
Foram-se algumas horas até que, mais calmos, conversaram com Pablo:
– Temos de saber exatamente em que pé estamos neste caso. Qual o perigo real e o que enfrentamos. Agora, com a imprensa e as fotos nossa situação é por demais delicada. Sinceramente você acha que esta jornada dará certo? Veja o caso da Pilar. Ela é boliviana tem a vida, os negócios, amigos e a família aqui. Já eu, vou me mandar e nunca mais ponho os pés neste lugar. São situações muito diferentes. No entanto, me sinto ligado a ela e não a deixarei sozinha por nada. Que situação!
Pablo abandonou aquele comportamento otimista meio eufórico que mantinha:
– Vamos ser realistas. Não temos informações suficientes para saber a quanto perigosa é esta situação. O alvo inicial era o Dr. Freddy, que tem seus contatos e de certo modo está protegido. A princípio não há nada concreto contra vocês. Um efeito colateral inesperado. Certamente há interesses políticos em aproveitar a situação para atacar o Dr. Freddy. As fotos estão sendo usadas para isso, mas amanhã, quando tivermos os jornais na mão poderemos avaliar melhor. Enquanto isso mantemos nossos planos. Tenho certeza de que chegaremos a Guajará-mirim em segurança. Conheço muito bem o trajeto e teremos total cobertura até lá.
– ¿Y yo que hago? Wander puede retornar a su pais, su trabajo, sus amigos e su família. ¿Devo retornar a La Paz e enfrentar lo desconocido? Mi vida estara arruinada. ¿Como encaro mi familia, mis negocios? Tengo todo a perder.
Pilar voltou a se emocionar. Pablo e Wander procuraram acalmá-la. Wander falou:
– Minha querida você não enfrentará isto sozinha, já lhe falei. Estarei sempre ao seu lado e creio que tanto o Pablo quanto Freddy também não a deixarão na mão.
Pablo, também um tanto emocionado asseverou:
– Creia-me |D. Pilar iremos juntos até resolver esta questão. No momento ainda tateamos no escuro. Devemos partir logo pois na nossa próxima etapa muita coisa se esclarecerá.
Sem mais delongas arrumaram-se puseram-se na estrada. Aliás a estrada era péssima de forma que progrediam mais lentamente. O tempo estava muito favorável e os cenários nos Andes eram de grande beleza o que os sossegou um tanto.
– Podríamos estar haciendo este viaje sin toda tensión actual.
– Mas estamos fazendo a viagem. E é nossa lua-de-mel. Um tanto conturbada, mas não menos hermosa.
Foram 300 Km pelo topo da cordilheira, chacoalhando num clássico Land-Rover descendo até a cidade de Caranavi às margens do rio Coroico. É uma região cafeeira.
Alojaram-se nos arredores da cidade numa granja, segundo Pablo, de um amigo do Dr Freddy. A casa era simples bem cuidada e confortável num local isolado. Tinha inclusive água quente.
Jantaram o que restou do farnel e Pablo foi à cidade em busca de informações.
Já de noite ele retornou e reuniu-se com os seus passageiros e mostrou-lhes os jornais:
– A situação basicamente não mudou. As fotos como podem ver estão pouco nítidas e só por elas não se pode identificar ninguém, mas o caseiro Rumi, pressionado descreveu-os, no entanto omitiu que Wander fosse brasileiro.
– Mas, veja a manchete – apontou Wander – “Pareja de narcos escapan de la policia”. Somos nós os narcos?
– Mi Dios, estamos jodidos!
– A policia não está caçando vocês, garanto por informações seguras. Isto é obra de um agente americano do DEA e do jornalista Angel Tapia do Diario de La Paz. Eles sim estão na estrada nos procurando.
– Se eles nos acharem a situação se complica.
– Por isso vamos seguir de forma discreta, evitando as cidades e saindo bem cedo. Temos uma grande vantagem.
No quarto Pilar a sós com Wander expôs suas dúvidas:
– ¿Que haremos caso yo tenga de ir a Brasil? La documentación e todo mas. ¿Por quanto tiempo me quedare em el estranjero enquanto las cosas se aquietan. Como me sustentare alla?
– Os documentos, você tendo o passaporte é fácil resolver assim como os vistos de permanência. Seu pessoal continua trabalhando na agência que está sendo administrada pelo funcionário do Dr. Freddy. Este seu amigo, pelo visto, não irá abandoná-la, mas se nada disso der certo eu estarei do seu lado, porque você é o amor de minha vida.
– Oh! Mi cariño que rico decirme esto. Tu eres también mi amor de la vida.
Desta forma, mais uma vez se entregaram às delícias da lua-de mel e adormeceram docemente.
Então Pablo. de madrugada bateu na porta:
– Temos um pequeno problema. Nosso caseiro tem uma filha grávida que parece vai parir logo, está com muitas dores e ele me pediu que você a examinasse. Não sei como soube que você é médico.
Wander examinou a jovem e constatou que ela estava em avançado trabalho de parto.
– Acho que não dará tempo de levá-la ao hospital. Vamos nos preparar para o parto aqui mesmo.
Os momentos seguintes foram de intensa atividade no parto da jovem Naira que finalmente deu à luz um menino que chorou alto parecendo bem saudável. Todos ficaram muito emocionados:
– Não fazia um parto há anos. – Exclamou Wander.
O marido de Naira agradeceu efusivamente a ajuda do médico e passado um tempo disse:
– Vai se chamar Anku Wander.
Explicou Pablo:
– Anku quer dizer, forte, resistente. Mas Wander talvez não seja uma boa ideia no momento pois a notícia vai se espalhar e não é um nome quéchua, nem espanhol. Mas duvido que ele mude de ideia. Ao menos também não é um nome português. Talvez mais parecido com o alemão. ‘Taí vamos informá-lo assim, você é alemão.
Desta forma ao longo do dia o povo local ficou sabendo que um famoso médico alemão, falando brasileiro, fizera o parto de Naira e que viajava pela Bolívia em missão humanitária,
– Es un misionero católico enviado por el obispo. – Comentavam.
O plano de se evadirem logo foi adiado para o dia seguinte:
– Não é prudente sairmos assim de repente, como se estivéssemos fugindo, o que é verdade, mas amanhã podemos sair discretamente alegando que o Wander tem outros locais para atender.
Ocorre que estas notícias não só se espalham velozmente como carregam consigo mais versões do que se imagina. Wander até o final do dia não só fizera o parto de Naira, salvando a vida dela, como curara outras pessoas. Wander também era devoto de N.S. de Copacabana, diziam, cuja igreja era às margens do sagrado lago Titicaca. À noite já havia algumas pessoas aglomeradas defronte ao sítio.
– Como é que estas histórias aparecem? – Wander se admirava.
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Dias antes de Wander e Pilar viajarem para o sítio do Dr. Freddy, o repórter Angel Tapia, do “Diário de La Paz” participou de uma entrevista do comandante Capitão Gotardo Diaz, chefe da operação conjunta com a Drug Enforcement Administration dos EEUU e o representante do DEA, o “Special Agent” Ed Miller.
Angel Tapia é um jornalista local de La Paz famoso por suas reportagens sobre o crime organizado na Bolívia e o comércio de drogas, destacadamente a cocaína. Denunciou dezenas de traficantes e vinha sofrendo ameaças à sua vida Alguns dos maiores traficantes do país foram alvos de suas denúncias e muitos deles presos, julgados e condenados.
Um deles, talvez o mais poderoso, era Freddy Velásquez – Dr. Freddy, como gostava de ser chamado, homem de meia idade, riquíssimo e com importantes ligações políticas. Dono de muitas propriedades rurais, era um dos maiores produtores de café do país e dizia-se de coca também. Tinha um gosto refinado, muito educado, culto e filantropo. Elegante, simpático, bonito e com fama de amante das mulheres. Casara-se várias vezes e pagava uma fortuna para suas ex-mulheres, e dizia-se que as continuava cortejando. Com este perfil tinha acesso aos grupos mais influentes na economia e política do país. As mudanças políticas internas, no entanto, fizeram com que seu prestígio diminuísse, principalmente após denúncias contra seu nome oriundas dos órgãos estadunidenses de combate às drogas. O governo pressionado pelos americanos queria demonstrar firmeza na repressão aos narcotraficantes e concordou com a presença de agentes especiais do Drug Enforcement Administration – DEA.
Angel Tapia fora abordado pelos ianques que obtiveram sua inteira colaboração espontânea embora naturalmente além de uma módica e substancial soma financeira.
Ed Miller, veterano agente do DEA tendo atuado em vários países, estabeleceu como alvo o Dr. Freddy pelo seu notório envolvimento no narco negócio. A operação, contudo, não estava tendo uma proficiente colaboração das autoridades bolivianas, daí que o jornalista Angel se tornou um importante aliado. Angel divulgava os resultados das operações e inclusive acompanhava os agentes no campo.
Iniciada a entrevista o Capitão Gotardo Diaz passou a palavra para o agente Ed. Miller.
O Capitão Gotardo Diaz, um oficial da polícia boliviana, chefe da Diretoria Especial de Combate ao Narcotráfico há já alguns anos é um indivíduo totalmente corrupto cujo papel era fazer com que a Diretoria não funcione, no que vinha sendo bem-sucedido. Por conta desta inépcia Cap. Gotardo auferia vantagens pecuniárias advindas principalmente dos chefes do narcotráfico. Sua fama de ave de rapina era unânime em toda repartição, mesmo assim ele continuava como chefe.
Ed Miller, num impecável espanhol resumiu o que todos já sabiam sobre a missão do DEA na Bolívia. Não mencionou, mas também todos sabiam, inclusive ele, que o Cap. Gotardo iria sabotar aquele trabalho tanto quanto pudesse. Miller no entanto tinha liberdade de ação garantida pelo governo central da Bolívia por conta das implicações políticas e econômicas envolvendo os dois países. Gotardo sabia disso e justamente escolhia os piores funcionários para auxiliarem o grupo americano, o que não incluía aquele bisbilhoteiro do Angel Tapia que até ao próprio Capitão criticara pelo jornal.
Os assuntos eram abordados de forma burocrática e superficial. Nem o Capitão Gotardo tinha interesse em ouvir os relatos de Miller, nem o agente do DEA estava disposto a revelar o que faria. Citou-se uma tediosa lista de verificação de denúncias e informes a serem investigados. A grande maioria destas investigações não redundava em praticamente nenhuma prova concreta. A entrevista se arrastou por uma exasperante hora até que o Capitão Gotardo encerrou a sessão
No escritório de Ed Miller, Angel Tapia fazia anotações corriqueiras em seu caderno de notas enquanto Ed Miller conversava ao telefone com sua contraparte no EEUU, na cidade de Springfield, no estado da Virgínia. A real missão de Ed Miller não era desbaratar a rede de narcotráfico da Bolívia ou prender seus operadores, mas identificar os intermediários – “dealers” locais que atuavam levando as drogas para a América. Era um trabalho mais de espionagem do que repressão. Daí porque não se importava com o boicote do próprio Capitão Gotardo às suas ações. Por outro lado, o jornalista Angel Tapia o ajudava a manter o assunto na imprensa criando um clima de tensão política no governo, bloqueando de certa forma que a colaboração entre os dois países fosse cancelada.
Ed Miller anunciou para Angel:
– Vamos nos próximos dias fazer uma ação numa das propriedades do Dr. Freddy. Quero que venha conosco e registre tudo. Não espero encontrar nada no local. Será mais uma exposição do nome do Dr. Freddy na imprensa.
Angel ficara muito satisfeito com a notícia e preparou sua equipe para registrar todos os passos da operação que, como inclusive informou Miller, seria divulgada internacionalmente.
Ed Miller propositadamente deixou vazar para Gotardo o local da “blitz”. Um dos objetivos era mostrar a opulência material dos chefões do tráfico de entorpecentes.
Uma equipe mista de policiais ineptos do Capitão Gotardo, dois agentes do DEA e a equipe jornalística de Angel se deslocaram então para a beira do lago Titicaca aonde Pilar e Wander celebravam seu romance. Foi assim que Rumi fora avisado da iminente invasão e o Dr. Freddy viu que se o casal fosse detido alimentaria inconvenientemente as manchetes dos jornais.
Ao chegarem na propriedade os policiais nada encontraram de suspeito, como era de se esperar, no entanto, havia uma coleção de fotos, algumas muito íntimas de um casal. Eram fotos polaroide recentes. Rumi foi pressionado para identificar o casal. Ele confirmou que se tratavam de amigos do Dr. Freddy em lua-de-mel, mas que eles haviam partido Há dois dias.
– No sé para donde fueran. Creo que hayan retornado a La Paz.
Angel desacreditou intimamente esta informação e comentou com Miller.:
– Quem serão de fato estes dois? Aparentemente são dois amantes, pelas fotos, mas não custa nada investigar mais um pouco.
– O Capitão Gotardo mandou seus homens retornarem e eu preciso da minha equipe em La Paz, portanto só posso lhe oferecer uma viatura e um motorista para que continue esta busca, mas não pode ser muito demorada.
Angel dispensou sua equipe e recomendou que publicassem as fotos encontradas. Não estavam muito nítidas, mas serviam para uma manchete. Ele seguiria buscando o paradeiro da dupla.
Pensou por onde começar. Teriam os dois retornados a La Paz? Não importando no momento para onde foram precisava identificá-los. As entrevistas que fizera no local e na cidade foram infrutíferas, mas, no quarto dia em La Paz recebeu uma informação que o alertou. Alguém comentara que havia um médico alemão, falando brasileiro, em Caranavi, acompanhado por uma enfermeira boliviana que a mando do Bispo atendia os pobres no campo e que salvara milagrosamente uma mulher que parira uma criança. Sem pistas, Angel resolveu seguir até aquela cidade porque ao menos teria uma matéria sobre um milagreiro religioso, ainda mais a mando do bispo. Era melhor do que nada. A manchete dos dois amantes tivera pouco impacto.
No quarto dia retornou a La Paz e em seguida pegou a “Ruta 3” para Caranavi passando por Coroico, o “Camino de la Yungas” mas mundialmente conhecida como “Estrada de la Muerte”. Uma viagem por uma estrada péssima e perigosa. Chovera muito no dia anterior e isto piorou o estado de alguns trechos da rodovia, tanto que fora obrigado a parar por um dia em Coroico.
Soube por telefone do jornal que havia um boato do passagem do casal de milagreiros em Caranavi .
Em Caranavi apurou que realmente havia esta história em um lugarejo próximo. Foi até lá e entrevistou Naira, a mãe da criança, e soube que o pequeno se chamaria Anku Wander em homenagem ao médico alemão missionário enviado pelo bispo. Descobriu também que a enfermeira companheira do médico se chamava Pilar. Havia mais alguém um tal de Pablo, motorista do bispo e guia dos dois.
– Para onde eles foram? Perguntou a todos sem ter resposta.
Angel conjecturou que uma coisa era certa: havia um casal no sítio que tinha ligação com o Dr. Freddy, foram fotografados e saíram antes da polícia chegar.
Seriam os mesmos que atenderam as pessoas em Caranavi? Investigou o assunto o resto do dia e descobriu que um Land-Rover correspondendo à descrição, com um casal e um motorista, fora abastecido num posto da cidade. O gerente do posto, anotara a placa do veículo no recibo de pagamento. À noite Angel soube pela polícia que o veículo estava registrado numa das empresas do Dr. Freddy. Não teve mais dúvidas da ligação deles com o traficante.
Isso significava que eles não haviam retornado a La Paz e que estando em Caranavi seriam mesmo os alegados missionários do bispo. “Ora” pensou “se não voltaram para La Paz pelo caminho mais curto é porque preferiram uma alternativa para despistar a polícia, e certamente seria por Caranavi, logo eles estão indo daqui para La Paz.
Pela manhã pegou a estrada para a Capital. Encontrou-se a seguir com Ed Miller e atualizou-o com as notícias, Ed opinou:
– Não acho que estes dois estejam envolvidos nos negócios do Dr. Fraddy e a esta altura já chegaram aqui e vão sumir de vista. Não perderia tempo com isso.
Angel considerou pertinente o que o agente especial Ed Miller dissera e ao longo do dia já se convencera que aqueles dois eram uma pista falsa quando recebeu a notícia pelo próprio Ed Miller:
– A mulher foi identificada. É uma das amantes do Dr. Freddy.
Ed Miller e Angel Tápias concluíram que Pilar Campos, amante do Dr. Freddy, precisava ser interrogada com o seu misterioso acompanhante. Tudo indicava que estavam tentando cruzar a fronteira para o Brasil e que o “médico alemão” era de fato brasileiro. Não se conseguiu identificar o companheiro brasileiro. Souberam que Pilar saíra de férias no fim de semana, mas não dissera para onde ia. Os empregados foram instruídos pelo Dr. Freddy a manterem o bico calado.
No final do dia os dois concordaram que o casal provavelmente se dirigia a Guayaramerim usando a Ruta 9 evitando a polícia. No dia seguinte bem cedo embarcaram num avião para Guayaramerim.
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A partida deles de Caranavi aconteceu muito mais tarde do que previam devido às dezenas de atendimentos que Wander fez pela manhã, e se não fosse a vigorosa intervenção de Pablo, alegando que o Bispo queria que Wander partisse imediatamente, eles teriam ficado sabe-se lá quanto tempo na cidade, considerando o tamanho da fila que se formou à porta de casa. Wander prometeu a todos que tão logo cumprisse a missão que lhe dera o bispo retornaria a Caranavi. Partiram para Trinidad a 450 km dali, um estirão de quase oito horas. por uma estrada ruim. Chegaram já noite nos arredores de Trinidad e se hospedaram numa casa na periferia. Era uma habitação muito boa com todas as facilidades possíveis para aquelas condições. Pilar e Wander conversaram sobre aquela insólita situação em que se encontravam e foi Pilar quem confessou sobre seu passado:
– Mi tesoro es esta una situación tan loca que tengo que decírtelo toda la verdad así que non haga ningún secreto entre nosotros. Primero, crea me, te quiero, te amo verdaderamente e sin límites. – Pausou por um momento – Si … soy amante de Freddy y sé que el es uno de los grandes, si no el más grande narcotraficante de Bolivia. Nunca podría imaginar que me enamoraría tanto de ti. Al principio pensé que solo tendríamos un romance fugaz, pero non fue así. Perdóname sinceramente con todo mi corazón te haber enredado en esta confusión. Ya no sé como disculpar me,
Visivelmente emocionada Pilar chorou nos braços de Wander que a acolheu ternamente, mas manteve-se silente. Sua preocupação não era sobre o fato de Pilar ser amante de um mega meliante e sim com as consequências disto, nem tanto para ele que, com um pouco de sorte, se safaria do embrulho, mas para Pilar. Nesta hora sentiu que o arroubo amoroso dela era idêntico ao seu e que nada neste mundo o faria abandoná-la. Não conseguia encontrar em seu âmago uma explicação racional para o que sentia e filosofou. “Esta porra do amor é foda”. Levou a mulher para deitar-se e ficou ao seu lado até ela se acalmar e dormir.
Algumas horas depois Pablo retornou à casa e falou para Wander:
– Não são boas notícias. Eles identificaram a Srta Pilar. Não sei como vou lhe dizer … mas
– Ela já me contou do seu envolvimento com o Dr. Freddy, tenho perfeita noção do que isso significa, mas creia-me não me importo comigo, exceto é claro, por minha vida, e a Pilar está numa camisa de onze varas, se é que você conhece a expressão…
– Sim, conheço e concordo, teremos de mudar nossa rota. Eles certamente estão nos perseguindo. pelo caminho mais lógico que é a Ruta 9 até Guayaramerim.
– E como escaparemos?
– Vamos desviar pela antiga Ruta 9 até Costa Marques em Rondônia. A mais ou menos 250 Km daqui viramos para leste e pegamos a velhíssima Ruta 9, mais uns 50 Km chegamos a Costa Marques. Se não tiver nenhum trecho intransitável, ou bloqueio policial, na melhor das hipóteses, levaremos umas dez horas para chegarmos num vilarejo à beira do rio Guaporé que tem ali uns 600 m de largura e pode ser atravessado facilmente em poucos minutos. Dali, já no Brasil, até a cidade de Costa Marques são 40 Km.
– E aí o que faremos? Explico. Eu volto para minha cidade e o máximo que pode me acontecer é dar satisfação aos meus colegas de trabalho. A Pilar, no entanto, ao menos por uns tempos, não pode voltar para a Bolívia. Também não pode ficar neste lugar.
– Garanto que o Dr. Freddy a ajudará.
– Não duvido, mas o que será que ela decidirá? Eu tenho uma proposta, mas depende de ela aceitar ou não.
Pablo não quis saber que proposta era esta e abordou o plano para a próxima etapa:
– Pelo rádio, em contato com La Paz – ele não citou o Dr. Freddy com quem de fato falara – eles já garantiram apoio ao chegarmos no Brasil. A D. Pilar não deve retornar à Bolívia arriscando ser detida pela polícia. Tudo será arranjado para que ela tenha uma estadia confortável no Brasil. Inclusive, com relação à agência de viagens, Dr Freddy se dispôs a resolver qualquer problema.
Wander já concluíra que aquele negócio da agência de viagens era de fato do Dr. Freddy. – “Se é que o hotel também não é dele” – E no momento se preocupava com Pilar e a decisão que tomará. “Ela, pelo que entendi da relação que tem com o Dr. Freddy, não irá contra a vontade dele. Isto quer dizer que ficará uma boa temporada no Brasil e provavelmente às custas dele. Situação estranha a minha neste quadro. O que devo fazer? Como abordá-la? Que papel terei?”
Derivou seu pensamento para lado mais otimista e resolveu que seja lá o que for, dará certo. “Espero que ela esteja realmente me amando … ou não. O resto resolveremos”.
O “Diario de La Paz” transformara o episódio em manchete: “NOVIA DEL NARCO CAPITALISTA SE HUYE POR EL CHACO”. o texto da reportagem não esclarecia quase nada além da identidade de Pilar Campos, ex-miss, modelo e amante do famigerado Dr Freddy. Este se recusara a falar com a imprensa, mas divulgou uma nota na qual negava e repudiava aquelas informações e que processaria o periódico e o jornalista Angel Tapia por injuria e difamação. As fotos de Pilar como modelo, estampavam a matéria. Nenhuma linha sobre Wander ou o “médico alemão”. Pablo mostrou pouco antes de partirem o exemplar que conseguira na cidade. O efeito foi devastador para Pilar, mas apesar das profusas lágrimas e do abatimento no humor que demostrava foi confortada por Wander e Pablo e quando mais ou menos recomposta, partiram.
Logo no início da viagem Pablo revelou ter falado com o Dr. Freddy, que garantiu estar a situação sob controle através de seus contatos e que mesmo que fossem detidos, fora o escândalo que o jornal promoveria, isto não teria nenhum efeito jurídico prático.
– Mesmo a loja será mantida sem problemas.
– ¿Que me importa la tienda que por lo demas lo dueño es Freddy?
“Como eu desconfiava” – pensou Wander em total silêncio.
– És mi reputación que está en juego. Además de la tienda, tengo contratos de publicidad e representación en otros negocios.
“Provavelmente também do Dr. Freddy” – Wander continuou pensando em silêncio.
– ¿Donde me quedare? Como me sustentare en Brasil o en qualquier otro lugar ? Mi família, mis amigos, mi casa, todo.
“Está esquecendo de mim” Wander divagava silencioso e pensativo. Então arriscou dizer alguma coisa:
– E qual seria a alternativa?
Pilar por um momento parou de falar balançou a cabeça e entrecortado por soluços respondeu;
– No sé. No sé. Dios, estoy tan confusa.
Wander nesta sua nova vertente otimista declarou:
– Vamos por partes. Como dizia Jack, o estripador. – a piada surtiu um leve efeito de fazer Pilar mostrar um esgar de sorriso – Primeiro precisamos chegar ao nosso destino. Aí, em segurança, vamos entender o que está acontecendo e como nos comportaremos. Não devemos entrar em pânico. Estamos à frente dos que nos perseguem e eles nem mesmo sabem por onde vamos. Não é mesmo Pablo?
Wander apelou para o guia que talvez compartilhasse aquele otimismo de conveniência. Funcionou:
– Sem dúvida. O caminho que faremos encurta nossa viagem pela metade e ao longo dele não há sequer uma repartição policial nem como nos alcançar. Aliás não há quase nada no caminho. Só precisamos de um pouco de sorte.
– Lo que me queda sino conformarme con este destino.
“Eu realmente não estou nos planos dela” – conjecturou o pensativo Wander. Desta forma os sentimentos dele para com Pilar, à medida que a viagem avançava pela precaríssima estrada, começaram a ser revistos sob outro ângulo. O alegado amor incondicional parecia ser, neste novo ponto de vista, perfunctório. Isto deixou Wander um pouco deprimido e principalmente desapontado com esta superficialidade tanto dela quanto dele também. Dada as circunstâncias preferiu não trazer este assunto à baila. Continuou em silêncio.
Eles pararam algumas vezes no caminho tanto para atender às exigências de seus corpos quanto para desviar de barreiras naturais na estrada. Não avistaram vivalma em praticamente todo percurso. Pablo, vez por outra tentava falar com alguém na Capital pelo rádio que trouxera. A sintonia era péssima e apenas souberam que Angel Tapia e o agente especial Ed Miller voaram para Guyaramerin.
– O caminho está limpo. – Afirmou Pablo com satisfação. – Mais algumas horas e chegaremos lá. Informaram que há alguém nos esperando para facilitar a travessia do rio Guaporé.
Tanto Wander quanto Pilar pouco conversaram e ele corretamente atribuiu o silencio ao contexto emocional que viviam. Mesmo assim não deixavam, vez por outra, de se acariciarem. Pablo, mostrando incontida alegria com o sucesso parcial da jornada continuava falando e contando fatos sobre o Dr. Freddy e seus pouco recomendáveis negócios. Nada que Wander desejasse saber, mas eram muito interessantes caso fosse detido.
“Como um cara boquirroto como esse é pessoa de confiança de um mega traficante?” Pensava silenciosamente, apenas emitindo alguns sons de aprovação.
Como se aproximavam do fim da viagem deu-se então à tarefa de imaginar o que faria quando em território brasileiro. Por um momento não incluiu em suas conjecturas o destino de Pilar. “Vai depender dela” vaticinou mentalmente.
Finalmente o rio Guaporé ao entardecer.
Os pontos de referência dados ao Pablo os levaram diretamente ao cicerone que os aguardava. Ele, um tanto nervoso depois dos cumprimentos de praxe;
– Van a cruzar el río ahora mismo. Lo barco vos espera.
Os três se ajeitaram numa grande e larga canoa e após 15 minutos de travessia estavam em território brasileiro. Na praia onde pararam havia um furgão os aguardando e uma hora depois, se instalaram na Pousada Guaporé, perto do centro da cidade.
Pablo conseguiu falar com Dr. Freddy pelo rádio e depois de um jantar apetitoso com peixes locais combinaram se encontrar no dia seguinte para decidirem o que fazer.
No quarto, o clima entre Pilar e Wander era de uma certa consternação. Ela embora relatando alívio estava visivelmente triste e ele, tentando animá-la não escondia seu desencanto. Ela falou com Wander:
– Caro estoy agotada. ¿Podemos hablar mañana?
– Claro minha joia. Foram muito intensos todos estes dias. Estou também um caco.
Dormiram abraçados, mas com o espírito agitado.
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Ed Miller e Angel Tapia desceram em Guyaramerin e imediatamente foram ter com o delegado local que já recebera ordens do Capitão Gotardo de tratá-los com a máxima consideração e os mantivesse longe dos fugitivos.
O delegado local, tenente Fajardo fez o que lhe mandaram. Explicou aos dois visitantes que pusera todo seu contingente em alerta na Ruta 9, como fora pedido:
– Pero … como vos sabéis, tengo una tropa muy pequeña y solo pude contar con dos soldados en la estación de la carretera.
Ed Miller estava interessado em identificar o misterioso brasileiro “médico alemão”. Soubera pela sua equipe que houve uma delegação brasileira hospedada no hotel e que um deles era médico, um tal de Wander. O atendente disse que Wander procurou dias atrás a agência e que vira ele e a proprietária, no dia seguinte saírem do hotel em uma viatura dirigida por ela. Descobriram que era um carro alugado em nome de Pilar e que foi devolvido dois dias depois. A recepção do Rent-a-Car que assinalou a devolução não reconheceu o retrato da Pilar. Não havia fotos do Wander e seus colegas não souberam dizer aonde ele se encontrava: “Provavelmente passeando e namorando” declarou um deles. Com base nestas informações Angel Tapia criou uma história mirabolante que foi seguidamente estampada no jornal. A ida a Guyaramerin redundou em nada. Angel, no entanto, conseguiu com um amigo que trabalhava na Tribuna de Guajará, no Brasil que uma pequena matéria sobre o fato fosse vinculada mas sem fotos.
A loja foi fechada e pelo que se dizia não mais abriria. A delegação brasileira partiu sem o Wander.
Dr. Freddy abriu um processo contra Angel e o jornal Diario de La Paz.
O assunto deixou de ter interesse e Angel passou a dedicar-se à sua defesa.
Dias antes, em Costa Marques, na manhã seguinte a suas chegadas os três reuniram-se no modesto restaurante do hotel. Pablo então explanou toda situação e comunicou:
– Estou retornando à Bolívia, vou levar o Land de volta, como quer o Dr. Freddy. D. Pilar, com todo respeito precisa ficar longe do país por pelo menos uns 30 dias como sugeriu o Dr. Freddy até que a poeira baixe. Terá todo apoio material que queira inclusive a escolha do local que deseja ficar. Digamos que são férias extraordinárias e que fará turismo por algumas cidades brasileiras. Tudo pago, incluindo o Wander como acompanhante. O Wander pode escolher como fará daqui para frente. Passagens aéreas, hospedagem tudo enfim. E ainda haverá uma recompensa financeira por conta das atribulações que sofreram. Algo bem generoso como é o estilo do Dr. Freddy. Apenas me comuniquem até amanhã como farão.
Pilar e Wander foram deixados a sós e Wander falou primeiro:
– Já que estamos por aqui porque não passeamos até o Forte Príncipe da Beira, uma antiga fortaleza portuguesa, espetacular, às margens do Guaporé? Daí, conversamos. Acho que precisamos fazer isso.
– Sí, por qué no, ya que mi vida está al revés.
Contrataram um taxi no hotel e puseram-se a caminho. O forte, de fato impressionante fora construído no século XVIII pelos portugueses. Durante o passeio, em meio às ruínas da fortaleza Wander abriu seu coração para Pilar revelando sua angústia por ela tê-lo descartado tão rápido depois de todas as declarações de amor dela que ele, pateticamente, acreditou.
– Estou triste, talvez magoado, mas a entendo depois de tudo que aconteceu e foi revelado e aceito qualquer decisão que venha a tomar. Apenas quero reforçar que mesmo chateado, contínuo apaixonado por você por mais infantil que pareça. Portanto não se acanhe em me dizer o que quer que sinta a nosso respeito.
Pilar parou estarrecida em meio às muralhas do Forte. Seus olhos lacrimejavam e, com profunda emoção disse:
– No es locura, tuya ni mía. También estoy profundamente enamorada de ti. Solo pensé que con todo lo que ocurrió ciertamente estarías decepcionado de mí y yo no estoy preparada para perdelo ni ademas entiendo o que siento por ti. Me aterrorizan estos sentimientos, pero me dejaré llevar por ellos y estaré contigo dondequiera que vayas. Tu eres mi amor de la vida.
Dali em diante foram juras de amor eterno e planos para um futuro a dois quando entre uma jura e outra Wander declarou:
– Eu tinha uma proposta que no caminho abandonei por considera-la fútil diante da situação que enfrentávamos, mas agora me parece mais do que adequada porque além de verdadeira será muito útil. Podemos, hoje mesmo, nos casarmos.
– Mil veces sí mi amor.
Comunicaram ao Pablo que ficariam juntos, apenas não declararam que casariam. Aceitaram a proposta de ressarcimento do Dr. Freddy, pois afinal ele fora o responsável por tanta desdita e voaram para seu novo lar, na casa de Wander, no Brasil.
Passadas algumas semanas, na repartição, ao voltar da licença que pedira, Wander foi chamado ao gabinete do Dr. Graça. O paquidérmico chefe no seu estilo desdenhoso perguntou ao Wander:
– Alguém da sede me perguntou se você teria se envolvido em alguma confusão na Bolívia. Houve isso?
– Sim. – respondeu Wander- eu me casei com uma boliviana.
– Ah. Entendi.